Revista Fragmentos
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(Arte: Álan Batista) 

Assim como semana passada fora falado de improviso, deixo este espaço de hoje como uma pequena homenagem ao passo. Como assim? 


Cada passo pode ser louvado como um milagre, dependendo da perspectiva. Aliás, depende muito pouco do seu tamanho e, como dito, mais de como vê-lo. Precisamos valorizar as pequenas conquistas, se não estamos ferrados.


Hoje, tudo é grandiloquente e exuberante, principalmente os problemas – infelizmente. No entanto, nossa vida é mais micro do que macro. Isso não é trivial. Não é propriamente uma chamada para sermos autocentrados. Até porque, como já disse neste espaço faz um tempo, posso pedir o que eu quiser a qualquer um, só não posso esperar mudança – afinal, nem eu mesmo mudo à minha vontade. Penso mais nisso daqui como um sopro de vida.


Viva os passos.




30 de junho de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.



As produções apresentadas a seguir são criações-fruto da disciplina eletiva - para estudantes da graduação em Psicologia - e livre escolha - para outros cursos - “Educação, Saúde e Trabalho Interprofissional”. Ministrada no período letivo remoto 2020.1 pelas professoras Cristal Oliveira Moniz - IP/UFRJ - e Tatiana Clarkson Mattos - IESC/UFRJ, e os professores Thiago Melicio - IP/UFRJ e André Bocchetti - Faculdade de Educação/UFRJ.

Sobre a disciplina: 


“O curso, de caráter reflexivo, vivencial e propositivo, discutiu a formação e as práticas interprofissionais na interface entre educação e saúde. Nesse sentido trabalhou a abrangência conceitual da EIP, seu histórico internacional e nacional integrado à implementação do SUS, em especial na Atenção primária à saúde. O curso foi ministrado por docentes das áreas de Educação, Psicologia, Odontologia, Enfermagem, Saúde Coletiva e Medicina. Contou também com a participação de trabalhadoras/es da rede de saúde.”


Apresentamos ao longo de três publicações algumas das criações que a estudante de Psicologia Bruna Bizarro realizou no decorrer da disciplina e seu relato - transcrito na íntegra - sobre esse percurso em meio ao período remoto.


Sobre os percursos de criação a partir do disparador “entre”

“O áudio nasceu para uma disciplina eletiva sobre EIP sendo disparador o tema do Entre, daquilo que esta entre. Nesse sentido, produzi essa peça pensando na coletividade e no que se produz a partir dela. Aqui, o Entre é a voz.”
“A gente teve que produzir o áudio, eu produzi o áudio, mas também foi muito intuitivo assim, o professor até falou do entre, e claro que a gente pensou no entre depois, mas, de primeira, meio que já sabia o que tinha de fazer sem pensar no conceito, sabe? Falei “cara, eu preciso fazer essa peça de áudio assim, é a única coisa que pra mim vai fazer sentido se eu fizer”, e eu pensei justamente nos lugares que eu mais sentia falta de estar... coletivos né? Porque eu até tive uma ideia que eu queria fazer de tentar reproduzir uma ambientação em algum lugar, então eu tinha pensado na praia. Peguei som de mar, e uma coisa que eu tinha pesquisado e o que eu achei estava muito ruim do som, que eram os gritos dos ambulantes. Inacreditavelmente não existe esse registro no youtube... tem mas é muito ruim, tem um que é perfeito, que é uma menina que eu acho que é até do sul, que ela grava tipos de chamadas dos meninos/homens que vendem mate leão aqui no Rio, só que ela coloca uma música no fundo que é impossível de isolar e eu fiquei com muita raiva porque eu queria usar aquilo, eu achei aquilo genial, e até fiquei pensando que, quando as coisas voltarem, é uma coisa que eu queria fazer, de gravar… não sei, sons que eu sinto falta. ”


“Entre” (05/02/2021)*


*Considera gatilho para pessoas com sensibilidade auditiva

Revista Fragmentos · Entre - Bruna Bizarro


Fragmentos pergunta: Como a vivência dessa disciplina impactou sua vida nesse momento? Outras disciplinas também estimularam trabalhos criativos, fora dos moldes rígidos comuns à academia?


“Não foi só, assim, essa questão de fazer algo menos rígido e diferente do que a academia propõe, mas também os disparadores foram diferenciais, tanto na disciplina do Tiago, da Cristal e do André, quanto na do João, porque as leituras são diferentes, poxa no caso do João, autores e autoras que a gente nunca ia ver em nenhuma outra disciplina do IP. E aí quando você se confronta com a diferença, porque querendo ou não, é uma diferença dentro da academia, então é uma diferença absurda, você produz coisas novas, e coisas diferentes, e coisas inesperadas e melhores.


E, enfim, eu sinto que quando as disciplinas são assim, eu digo pelo menos a do João… surreal, o jeito que aquilo ali me impulsionou a participar das aulas, e aprender os conceitos, é muito doido pensar que eu aprendi do jeito que aprendi numa disciplina online. E mudou de fato minha vida, tanto que agora eu fui buscar uma disciplina eletiva de seminário de licenciatura com Rafael Haddock que é um filósofo que também escreve com o Luiz Antônio Simas, porque eu fiquei totalmente encantada, quero saber mais.”



Entrevista realizada por: Carolina Alves


Sobre a autora: “Meu nome é Bruna, tenho 22 anos, moro no Rio de Janeiro e curso psicologia (8º período) na UFRJ.” Bruna Bizarro | @bruna.bizarro e @b_perfida




(Arte: Álan Batista) 
    


Quantos momentos, situações, dias (etc.) que nós temos que nos virar completamente no improviso? Tirar do chapéu uma solução num estalo; naquele instante. Mais do que deveria, talvez.


A gente se vira quando precisa. Tem uma frase que gosto muito: “fazer o que pode com o que não se tem”. É mais ou menos o nosso cotidiano hoje em dia, né. O improviso virou padrão.


Não falo em tom de lamentação ou de reclamação, apesar de sentir ter todo o direito. Falo aqui mais em contemplação. Neutra.


Você tem isso também? Aquela sensação de surpresa com algo corriqueiro. Já ouvi falar que se chama “jamais vu”, o contrário do famoso “déjà vu”. É facilmente reprodutível quando repetimos incontáveis vezes uma palavra. Ela meio que perde o sentido – derrete na nossa boca enquanto falamos.


Mas já está bom, hoje falarei pouco. Estou contemplativo. E você? Tem conseguido se surpreender com o corriqueiro?




23 de junho de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.

Estar nos campos reais traz vida (junção de dois textos escritos em 2020)

De repente é como se eu quase sentisse o mar me tocando, querendo me resgatar para os seus braços. De repente é como se as esquinas falassem, gritassem o meu nome e me implorassem pela minha volta, sem entender essa ausência. Eu juro, chego a quase ouvir o ônibus que eu sempre pegava, religiosamente todas as manhãs, me chamando, me pedindo pra adentrá-lo e ali me sentar. Eu chego a quase sentir o barulho da correria, aquele som de fundo que me acompanhava em todo e qualquer caminhar. A grama do campinho batendo no meu joelho, o chão feito de pedra da faculdade me fazendo tropeçar. É como se eu pudesse escutar os lugares, é como se eu pudesse sentir os cheiros misturados que ficam no ar, que ficam pairando o céu numa avenida congestionada de gente. Esse cheiro de gente. Esse abraço que abraça sem necessariamente ter alguém me abraçando. Esse sentimento de pertencimento através do compartilhar. Compartilhar as ruas, as salas, os restaurantes, os bares, os banquinhos espalhados nas praças, nos espaços feitos para convivência. Cada um numa interação específica, com uma, duas ou várias pessoas numa mesma conversa ou até mesmo sozinho; mas estar em conjunto nos faz sentir o pertencimento. 

 

A troca sustenta as nossas vidas enquanto humanos; é ela que dia após dia reacende sorrisos, lágrimas, euforias, descontentamentos, surpresas... É a nossa junção, é a nossa comunicação, é a nossa marca escutada, vista, sentida e acolhida por alguém que nos faz ser quem somos. Ser humano é ser a simbiose mais perfeita com o mundo, com as coisas que nele habitam e, principalmente, com as pessoas; com um de nós, com vários de nós, com cada um de nós. Perfeita não no sentido positivo, mas no sentido de que sem essa constituição mútua, não há vida. Afetar e ser afetado num fluxo sem fim. 

Agora, o fluxo foi alterado, dificultado, limitado; e o que vem me atravessando é a estranheza, a falta de reconhecimento dos corpos enquanto corpos que não podem mais se entrelaçar. O quanto é difícil sair "somente para o necessário", o quanto é cruel com a nossa humanidade – que é humanizada no social – olhar de longe, falar de longe, escutar de longe. Uma reflexão que vem me martelando é sobre a mudança dos nossos espaços que ocorreram com a pandemia. Tudo passou a ser realizado "de forma remota". As aulas são nesse caráter remoto, que significa a sua transmissão em tempo real nas telas. Isso tem me gerado uma confusão no mundo tão gigantesca. Eu fico o dia todo em casa, no computador e, no final do dia, eu não sai do mesmo lugar. Apertar no botãozinho do microfone quando quiser falar e, depois, desligar para não fazer barulho. Colocar a câmera só se tiver a fim ou se a internet permitir, não é mais intrínseco ao evento nos olharmos; e, mesmo quando ligamos a câmera e nos olhamos, não é como se fosse presencialmente, somos mediados por telas. O que fazemos se o ambiente compartilhado é uma tela, uma ferramenta, um aparelho tecnológico que pode quebrar a qualquer momento, que pode desligar, que pode ficar fora do ar, que pode queimar e, assim, desconectar as nossas ligações?

Eu sinto tanta saudade dos afetos diários, das maiores besteiras e dos risos partilhados. Eu sinto tanta saudade de estar presente no espaço que eu vou realizar minhas atividades. Estar presente em um espaço real, com o corpo vivo, tocando, ouvindo, existindo em um plano real... Reconheço que essa modalidade remota foi nossa alternativa perante o cenário pandêmico e que os casos seguem aumentando novamente, fazendo com que tenhamos que nos fechar mais e mais. A vida lá fora se tornou um perigo. Compartilhar espaços se tornou perigo. 

Quando penso em compartilhar espaços, logo me lembro da Universidade. Outro dia, tive que ir ao Rio Sul resolver umas coisas por lá e resolvi passar na UFRJ, já que é do lado. Não entrava lá desde março. O campus meio abandonado, a grama crescendo, tudo vazio fora algumas pessoas que frequentam o CAPS Franco Basaglia e os seguranças rondando. Tudo calmo, meio sem cor, meio sem vida. Por mais que eu tenha sentido o coração reconfortado ao me sentar no banco do IP e sentir que aquele lugar ainda existe, ainda está ali, eu senti também o quanto um ambiente se transforma sem a presença das pessoas que o frequentam; assim como nós, estudantes ou trabalhadores da PV, mudamos esse ano por não termos frequentado o nosso campus. Os afetos não estão conectados só às pessoas do lugar ou só ao lugar, mas sim às pessoas naquele lugar. Exatamente nesse formato, nessa relação. 

não sei como será 2021,
não sei o que esse vírus e esse governo da morte nos reserva,
mas eu vou seguir aqui, desejando todos os dias
que essa tempestade passe logo, logo
e que possamos viver o nosso campo real,
com as nossas interações reais
sem mediação de telas ou máscaras
cara a cara, sem medo


Isabela Pessoa @isabpessoa
Psicologia - UFRJ


Sobre autor (a/e): Me chamo Isabela, tenho 22 anos e sou estudante de psicologia, 8º período, na UFRJ.

A fila até que não estava tão longa. Era curioso observar as expectativas, os olhares esperançosos e, especialmente, as risadas. É claro, também havia os tremores, os olhares apreensivos e, muitas vezes, os gritos de revolta. No momento em que o líquido na seringa foi mostrado a um senhor, seus olhos marejaram e de longe pude enxergá-los se fechando, a lágrima caindo, a agulha sendo injetada. Ele abriu os olhos e a gratidão reluziu, ao mesmo tempo em que uma espécie de suspiro triste aconteceu. Quase pude ouvi-lo dizendo a alguém: "Se tivesse sido antes, você ainda poderia estar aqui..."

Saiu mais leve do que chegou — mais aliviado, talvez — enquanto a próxima pessoa da fila era chamada.

Expressava um misto de euforia e inconformidade. Estava acompanhada e falava alto sobre as negligências e os absurdos. Seu acompanhante tirava fotos e parecia filmá-la enquanto o líquido era injetado e ela gritava: "FORA!".

Ao mesmo tempo em que pressionava o algodão em seu braço, trocou um momento de afeto caloroso com aquele que a filmava. O tempo pareceu parar por um instante. Era como se toda a euforia e a revolta que antes ocupavam o seu ser tivessem se transformado em quietude e conforto. Os dois saíram, trocando carinhos.

É a minha vez.

Não me sinto temeroso, nem animado. Talvez feliz, apesar de tudo. Estou acompanhado e peço para ser filmado. Por um momento, sinto-me como aquelas pessoas famosas sendo capturadas por paparazzi. Uma pontada em meu braço e pronto — passou. Daqui a três meses eu volto. Nós voltaremos, se tudo der certo. Há tanto a mudar e tanto a fazer. As existências corrosivas parecem finalmente dar lugar a algum tipo de reconstrução. E agora, pelo menos, consigo vislumbrar afetos e possibilidades de um futuro.

Eu só espero que este futuro possa existir para todos nós.

30 de maio de 2021

Felippe Del Bosco 
Psicologia - UFRJ


Felippe ama pesquisar, cuidar e escrever. Ler, namorar, maratonar séries, jogar xadrez e tocar piano também sustentam a sua existência. Enquanto LGBT e PCD, valoriza a diversidade e a inclusão. Viver de poesia é um dos seus maiores sonhos (talvez ele já faça isso, mas não saiba).


As produções apresentadas a seguir são criações-fruto da disciplina eletiva - para estudantes da graduação em Psicologia - e livre escolha - para outros cursos - “Educação, Saúde e Trabalho Interprofissional”. Ministrada no período letivo remoto 2020.1 pelas professoras Cristal Oliveira Moniz - IP/UFRJ - e Tatiana Clarkson Mattos - IESC/UFRJ, e os professores Thiago Melicio - IP/UFRJ e André Bocchetti - Faculdade de Educação/UFRJ.


Sobre a disciplina: 


“O curso, de caráter reflexivo, vivencial e propositivo, discutiu a formação e as práticas interprofissionais na interface entre educação e saúde. Nesse sentido trabalhou a abrangência conceitual da EIP, seu histórico internacional e nacional integrado à implementação do SUS, em especial na Atenção primária à saúde. O curso foi ministrado por docentes das áreas de Educação, Psicologia, Odontologia, Enfermagem, Saúde Coletiva e Medicina. Contou também com a participação de trabalhadoras/es da rede de saúde.”


Apresentamos ao longo de três publicações algumas das criações que a estudante de Psicologia Bruna Bizarro realizou no decorrer da disciplina e seu relato - transcrito na íntegra - sobre esse percurso em meio ao período remoto.


Sobre os percursos de criação


“O primeiro que eu fiz pra disciplina foi o poema. E eu fiz errado, né? Eu tinha entendido que era saúde e poder e depois não era, era outra coisa. Mas eu tinha entendido que era, aí eu falei ‘ah, vou escrever aqui’ e saiu aquele poema. Assim, não saiu. Eu não parei pra escrever. Eu fiquei uma semana tentando criar algo, porque eu acreditava que essa era a tarefa que a gente tinha que entregar na disciplina. E a minha cabeça não deixava. Eu não conseguia fazer. Fiquei um tempão. Aí teve um dia que eu fui dormir e veio na minha cabeça assim, tipo, tudo! Tudo simplesmente veio. Na hora eu peguei o meu celular e escrevi no meu grupo comigo mesma no whatsapp e 'ah amanhã eu vejo', porque eu tenho muito isso assim. Acho que quem produz algo, sempre tem essa sensação de que nunca está bom. No dia seguinte eu peguei, vi e falei 'pô tá maneiro’ e eu tenho que entregar pra disciplina então é isso mesmo. Depois eu descobri que não era isso, que eu tinha entendido errado, que a gente tinha que fazer sobre outros conceitos. Mas eu falei ‘quer saber? Eu já fiz, eu vou enviar e acho que vai ser pelo menos apreciado como força de vontade por que eu tentei fazer algo’ e eu gostei, eu fiquei feliz com o resultado do poema. E aí eu parti pra fazer a colagem, que não ficou nem um pouco do jeito que eu queria, porque foi a primeira  colagem digital que eu fiz, nunca tinha feito. Eu fazia com revista e tal, e essa foi a primeira que eu fiz digitalmente e eu tinha que fazer rápido porque eu tinha entendido errado, então tinha que entregar pro dia seguinte assim. Saiu aquilo ali, deu pra expressar minimamente o que eu queria, em consonância com o texto que eu tinha entregue, mas não ficou lindo, né?”


Criações a partir dos disparadores “saúde, violência e poder”


Cama de gato


Na dialética entre o cordão e os dedos

Passa quem sabe dançar

Entre a linha, os teus

Entre os meus o medo


Quando criança aprendi 

a jogar bola de gude,

soltar pipa.

Depois que cresci

dei pra enrolar em rabiola de discurso


Com tudo embaraçado

Bastava escolher:

Aprendia cama de gato 

ou desistia de tecer.


Porque nesse país 

Manda quem pode 

e obedece quem tem juízo


Se todo mundo corre pro gol

E só uns viram atletas

Já dizia minha mãe:

(Querer não é poder)

"Faz o que te interessa"


Já desenterrei raiz pra dar um nó

nesse emaranhado,

Falta agora a ciência atestar

que tá errado.


Aí me dou por satisfeito

E descanso de uma vez

Porque brinco há tanto tempo...


E no Brasil de hoje em dia aposentadoria só por invalidez!”


Cama de Gato (05/02/2021)


#pracegover: a imagem é composta por um fundo preto e uma faixa vermelha central. No canto direto que diz: (texto do poema). À esquerda, uma fotografia de duas mãos brancas, fazendo a brincadeira cama de gato com um fio vermelho.


Saúde e Poder (23/01/2021)



#pracegover: a  imagem é composta por um fundo azul. A fotografia de uma favela nasce do horizonte. Atrás dela, o sol. No canto superior esquerdo, uma mão estende a vacina. O chão é o centro do Rio pós Reforma Pereira Passos, pós o bota abaixo e a gentrificação. No centro, uma performance do dia 18/05/17 dia da luta antimanicomial. A performista olha pra cima, descalça, com uma gaiola na cabeça, braços levantados como quem se protegesse. Triângulos coloridos dançam à sua volta.



Fragmentos pergunta: Como está sendo o período remoto para você? 


“Então, o período remoto pra mim tá sendo ruim. Eu acho que pra maioria das pessoas tá sendo uma coisa bem difícil. Agora eu sinto que estou bem mais adaptada, mas demorou bastante. Eu cheguei a fazer o PLE também. No geral, a experiência é ruim. Não só por a gente estar num período remoto em casa, mas também pelas razões de estarmos em casa. Aqui mesmo eu não tenho muito espaço pra estudar, não tenho uma mesa para estudar, um quarto sozinha, então fica bastante complicado. Tem um computador, divido com todo mundo, então quando tá todo mundo em casa, fazendo coisas remotas, até o tempo que eu tenho em frente à tela é reduzido e aí isso, obviamente, me prejudica de alguma forma.  E nesse sentido é tudo muito ligado, uma coisa a outra. Eu moro muito longe da faculdade, então se por um lado eu ganho, entre muitas aspas, tempo, porque eu levava assim, em média, de 5 a 6 horas no trânsito por dia, então eu ganho tempo de sono, de estudo também, eu perco todo o resto. Perco minha sociabilidade, perco contato com a minha família, contato com a faculdade, com o campus, as aulas né? Porque assim, aula online, tem uma razão pela qual a gente chama de ensino remoto. A gente nunca fala ‘vou assistir uma aula’, a gente fala ‘vou assistir uma aula on-line’, porque não é aula, não é a mesma coisa. Não pode ser considerada a mesma experiência porque não é de fato. É muito mais cansativo, é muito mais difícil de prestar atenção. Então isso é algo que definitivamente, para além do contexto, né?”


Fragmentos pergunta: Como a pandemia tem afetado seus estudos, processos de criações/expressões artísticas e motivações?


“Desde antes da pandemia eu já fazia algumas coisas, principalmente escrever e colagem, né? Pra eu não dizer que eu nunca pensei em mostrar pra ninguém, porque eu faço e fazia muito pra mim, antes, no coletivo das mulheres, a gente tava pondo algumas das nossas produções no mural, num mural que a gente tinha lá em cima no IP, e aí a gente começou a expor isso. Então foi um movimento que aconteceu, mas também só aconteceu uma vez, porque na hora que a gente ia mudar pro mural acabou, né? Acabou o ano e acabou a nossa vida no campus. Quando chegou a pandemia, foi aquele baque que eu sofri e acho que todo mundo sofreu de tentar ser muito produtivo no início, né? A gente tenta fazer exercício e vai arrumando hobbies, limpa a casa e aprende, sei lá, a fazer pão. E aí eu falei ‘ah, vou voltar a fazer minhas colagens, vou tentar dar mais atenção pra isso’ e até comecei a fazer um portfólio delas. E é isso, teve um momento que eu parei, até aquilo ali não era mais algo que me deixava relaxar, acho que estava me estressando, isso no início da pandemia.


Com o tempo isso meio que virou um hobby, sabe? Eu sinto que virou um hobby. Só que ao mesmo tempo que era um hobby, eu ganhei tempo, ficando em casa, mas minha cabeça não tava aqui, acho que a de ninguém. E ao mesmo tempo que esse tempo que eu ganhei, entre aspas, eu usava para estudar, e uso. Eu fico o tempo todo nessa coisa de tentar produzir, e aí eu não paro pra fazer o que eu gosto de fazer, por que eu sinto que eu estou desperdiçando (tempo) ou que, enfim, não vale a pena.”


“E quando veio a disciplina, essa disciplina que inclusive eu peguei, foi em 2020.1, né? Peguei a disciplina do Thiago, da Cristal e do André e eu peguei junto com a disciplina do João. Então cara, foi uma explosão assim. No começo eu fiquei até com raiva, fiquei ‘cara que ódio, não quero fazer isso. Quero uma coisa simples. Sabe? Preciso acabar meus créditos de eletiva, vou uma hora acabar com isso’. E aí depois eu falei ‘quer saber? Vou me entregar e vou fazer. Se ficar ruim, quem vai dar zero pra uma arte? Acredito que no mínimo eles vão ter que aceitar o que eu fizer.’ Aí me entreguei, comecei a produzir as coisas. No início eu não estava nem um pouco à vontade, ainda mais depois que descobri que a gente mostrava pra turma. Cara, não, uma coisa é a gente enviar por e-mail, ninguém vê... Outra coisa é mostrar pra turma!”


Entrevista realizada por: Carolina Alves


Sobre a autora: “Meu nome é Bruna, tenho 22 anos, moro no Rio de Janeiro e curso psicologia (8º período) na UFRJ.” Bruna Bizarro | @bruna.bizarro e @b_perfida





(Arte: Álan Batista) 


Imagina se, em vez de coronavírus, fôssemos atacados por um protozoário? Ou por uma bactéria? Aliás, você, por acaso, sabe a diferença? Eu também não sei. A não ser que quem esteja lendo isso seja microbiólogo, então, nesse caso, sinto muito pela minha ignorância.


A verdade é que essa é apenas uma pergunta para especular como seria se fosse diferente. Fazemos o tempo todo, “e se…”, só que agora mais frequentemente. E ainda mais frequentemente sobre assuntos antes pouco pensados por todos nós – perdão, microbiólogos.


Queria pensar em uma realidade em que muitos se vacinaram e poucos morreram, mas não é o caso. Não digo isso comparando números, mas pensando que muito e pouco são sempre horizontes que a gente busca.


Por exemplo, queria que poucos desdenhassem da preocupação alheia, da dor alheia ou do luto alheio. Queria que muitos tivessem a capacidade de resistir a tudo isso que tenta lhe matar todo dia. Há coisas que matam muito mais que bactérias ou protozoários, seja lá qual for a diferença.


Enfim, não irei chover no molhado aqui, pois já estamos cansados disso. Todo dia isso. Uma exaustão que tem que ser constantemente ignorada para que sigamos nosso dia a dia, fingindo estar “tudo bem na medida do possível”. Ignoramos nossa exaustão e a do outro, porque precisamos sobreviver – não se culpe, não há comparação com aqueles que desdenham. Eles matam para sobreviver, não buscam viver como você.


Com o tempo, descansaremos, de um jeito ou de outro. Quando esse dia chegar, estaremos prontos para agir, seja numa grande ou pequena ação. Mas esses termos são horizontes também, visto que qualquer pequena ação a essa altura já é grandíssima. 


Vamos lá, mais um dia, 

Mas um dia

Descansaremos




16 de junho de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.

TRABALHADORES DA FEIRA LIVRE



2021

Abigail Narame
10º período da Psicologia - UFRJ


Sobre autor (a/e): Dizem que eu sou "uma caixinha de surpresas". Sou estudante de psicologia, estou prestes a me formar. Nasci no interior de SP e vim morar aqui no Rio para estudar e trabalhar também. Durante a pandemia me permiti a escrever mais poemas e contos (conto foi uma experiência que começou na pandemia), com o isolamento comecei a produzir conteúdos audiovisuais que pudessem dar conta dessa vontade que nasceu não sei da onde de materializar a vida, as imagens, os instantes, os sentimentos.





(Arte: Álan Belem) 
    
Você acredita em pessoas? E em bicho-papão? Em fantasmas? Quem sabe, em assombrações.

Será que esse momento melhora? Não sei. Tudo depende das pessoas, né? Você acredita nelas? Vario de resposta mais do que de roupa. Às vezes, temos umas chacoalhadas – boas, ruins ou, simplesmente, chacoalhadas.

É mais fácil acreditar que no mundo só há pessoas ruins. É mais simples, mas é mais fácil também. Dessa forma, não há porquê se afetar, se importar, é autojustificável. De bom, só há os perto de mim, e olhe lá. Sinto muito, mas não é bem assim.

Perceber isso dói bastante. É como escancarar feridas abertas. Não quero ser muito metafórico. Isso aqui não é uma metáfora. Há muita gente boa, que falha, mas que quer o bem comum. 

São muitos? Não sei. São poucos? Não sei. São o suficiente? Não sei. Mas que existem, isso eu sei. Como eu sei? Não sei.

Gostaria de pedir, gostaria de suplicar, mas não vou fazer isso. Não acho que fará diferença, eu pedir qualquer coisa. Não adianta nem a mim mesmo, imagine aos outros. Dos outros, não espero muita coisa, para não dizer nada. Queria que fosse nada, mas é irresistível.

De vez em quando, a gente recebe exatamente o que espera. Isso é bom? Não sei. Mas a gente recebe. Às vezes, a gente se surpreende completamente. Isso é bom? Você já sabe.

E vamos seguindo, né? Não é como se fosse grande revelação, é mais uma chacoalhada. Uma grande chacoalhada. Precisamos de algumas, de preferência, o mais constantemente possível. Disse que não pediria nada, mas vou torcer para que tenha alguma em breve.


09 de junho de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.

"Eu não lembro exatamente o que aconteceu esse dia. Escrevi esse negócio três dias depois do primeiro caso de covid no Brasil, mas na época nem atentei pra isso. Ainda não havia quarentena e eu estava em algum lugar." - Marcos


 SEM TÍTULO #81

todas aquelas casas felizes da mangueira sorriam pra mim
enquanto eu voltava pela rua deserta
jaqueta no ombro
noite sem vento
já não se escutava nenhum bonde à distância
a água corria pelas fissuras do asfalto
as estrelas derretiam feito manteiga
os rostos dos meus amigos ainda frescos na memória
me sentia como drummond devia se sentir
quando escrevia sobre as estrelas e os bondes e o mundo
e a dor de ser assim tão feliz

29 de fevereiro de 2020

Marcos Gabriel Faria I @esfihaeacai 
Cinema e Audiovisual- UFF


Sobre autor (a/e): Meu nome é Marcos Gabriel Faria Carrera. Sou graduando (7ºperíodo) em Cinema e Audiovisual pela UFF – Niterói, tenho uma banda chamada Ventilador de Teto, gosto de açaí e moro na Mangueira.





(Arte: Álan Batista) 
    
Ah! O tempo livre, que coisa mais antiquada. Estou aqui, em meio aos meus três compromissos simultâneos, me perguntando: imagine ter tempo livre. Tempo solto, tempo desgarrado, tempo sem amarras. Que loucura!

A verdade é que não há como ter tempo livre. É uma ilusão. Sempre há algo que tem de ser feito; algo que tem de ser lido; tem de ser assistido. Tem de ser, inclusive, refeito; relido; reassistido – afinal “você não fez corretamente” ou “da melhor forma”. E ele é finito, dizem. Meu Deus! Tão pouco tempo para tanta coisa! Profanaram o tempo livre em tempo mal utilizado. “Não ter o que fazer? Sem tempo, irmão! Vai investir em si”.

Ouso imaginar o que faria com tempo livre. Acho que ficaria desesperado. Tantas são as possibilidades… nem consigo dimensionar, sinceramente. Tudo que me vem à cabeça seria útil. Pensando bastante, com extremo cuidado, acho que eu respiraria um pouco.

Mas, obviamente, trata-se de um devaneio. Impossível imaginar ter tempo livre. É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim da agenda.

02 de junho de 2021

Rafael Vasconcellos 

Rafael é carioca, clínico em eterna formação, ex-tenor no “SVAC” e mestrando em psicologia pela UFRJ. Filósofo de botequim e sofredor pelo Botafogo, escreve como hobby para ajudar a respirar. Acredita que na escrita de ficção como uma arma poderosíssima de comunicação que deveria ter mais espaço nos ambientes acadêmicos.
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